sábado, 29 de novembro de 2014

Livro inteiro escrito pelo celular - Fiel de Jessé Andarilho.


Essa foi a façanha realizada pelo jornalista Jessé Andarilho, que escreveu seu livro, Fiel, no trem, a caminho do trabalho, usando apenas o bloco de notas do seu celular. Só à noite, quando chegava, o escritor passava os textos para o computador.
A história estava na cabeça de Jessé desde 2011, mas somente agora tomou forma. Ela conta a trajetória do jovem Felipe, morador e jogador de futebol da comunidade de Antares (Zona Oeste do Rio), que acaba seduzido pelo tráfico. O protagonista Felipe é esperto, tanto na vida quanto com a bola entre os pés, e o livro gira em torno disso, da sua vontade de ascender na vida e, logo depois, da sua decadência no mundo do crime.
Assim que terminou o romance, Jessé o mostrou para o amigo Celso Athayse, que o indicou para uma editora. Pouco depois, Fiel foi publicado pela editora Objetiva e está à venda, também, por R$26,90 na loja online do Extra.
“Felipe era um admirador da Arte da guerra – um amigo de seu pai lhe disse que as estratégias poderiam ser usadas em muitas situações na vida, inclusive na hora de conquistar uma mulher. Pronto, foi o suficiente para ele comprar vários livros sobre o assunto. Com isso, começou a guerrear nos campos de batalha da vida sentimental. Logo ficou com a fama de namorador.”
(Trecho de Fiel, de Jessé Andarilho)


Jessé Andarilho - Fiel
A vertiginosa ascensão e a queda de um menino no tráfico carioca
“A vida de Fiel não é fácil. Quando a chapa esquenta, é ele quem segura o rojão e fica no olho do furacão, pois o patrão está longe. O livro retrata fielmente a realidade vivida em muitas favelas do Brasil.  A escrita é interna, vinda de um cara que viveu ali, bem de perto, e só não se afundou na criminalidade porque foi resgatado pela arte” – MV Bill, rapper e escritor
Na linha de sucessão de escritores como Ferréz e MV Bill, surge Fiel, de Jessé Andarilho. Baseado em histórias reais que conteceram com o autor, seus amigos e conhecidos, o primeiro romance do carioca de 33 anos conta a vertiginosa ascensão e a queda de um menino no tráfico carioca. Fala também, com propriedade, da vida de centenas de jovens das periferias, favelas e comunidades das grandes metrópoles. Com mais um diferencial curioso: foi todo escrito pelo autor nas teclas de um celular para ocupar o tempo que passava dentro do trem a caminho de casa para o trabalho e vice-versa, muitas vezes em pé.
Nascido no Rio de Janeiro em 1981, no bairro do Lins, Jessé foi criado em Antares, conjunto habitacional popular criado no início da década de 1970 na Zona Oeste da cidade, para receber moradores de favelas removidas da Zona Sul. Seu interesse pela literatura e pela escrita começou por acaso, quando ganhou de presente o livro Zona de Guerra, de Marcos Lopes. Saiu dizendo para todo mundo que tinha muitas histórias como as do livro para contar. Até que ouviu de um amigo: “Tem história melhor que a do cara, então vai lá e escreve!”. Jessé não pensou duas vezes e começou a escrever. Assim nasceu o Fiel e também o codinome Andarilho.
“Este frenético romance é prova cabal de que a capacidade criativa e empreendedora do povo carioca chegou à literatura, depois de passagens exitosas pela música, pelo teatro e pelo cinema”, escreve o jornalista e também escritor Julio Ludemir. “Também é emblemático desses tempos que um cara que se autodenomina Andarilho tenha narrado o mundo que o cerca viajando de trem, que é um símbolo do apartheid carioca, que mantém a quase totalidade da sociedade aprisionada em guetos controlados ora pela milícia, ora pelo tráfico. Jessé rompeu os grilhões do gueto para produzir um livro que nos liberta a todos”, continua Ludemir.

  • Com saga de jovem no tráfico, carioca estreia com livro escrito no celular. 

Assim como "Fiel", Jessé Andarilho escreve seu próximo livro na tela do celular Duas horas para ir, duas horas para voltar. O produtor cultural Jessé Andarilho passava quatro horas por dia, para ir e voltar, no trajeto da Estação Tancredo Neves, no bairro Santa Cruz, à Central do Brasil, no centro do Rio. Capturado pela literatura, desde quando leu "Zona de Guerra", de Marcos Lopes, o escritor de 33 anos começou a criar histórias no bloco de notas do celular durante o sacolejo diário do trem. Da tela do celular, a primeira experiência literária chega agora às prateleiras. "Fiel" (ed. Objetiva, 212 páginas, R$ 26,90) conta sobre a trajetória do adolescente Felipe, morador da favela de Antares, na zona oeste do Rio. Criado desde pequeno sob os preceitos da igreja evangélica, ele acaba sendo seduzido pelo poder e o prestígio de traficantes cariocas. "Eu pensava: O [jornalista e escritor] Caco Barcellos foi taxista. Se ele conseguiu, eu posso conseguir. Comecei a me dedicar no texto, do celular passava para o caderno, do caderno eu passava para o computador, já tentando amarrar os capítulos", ele conta, ao UOL, por celular, de dentro de um trem. A correria continua, mas hoje o trajeto dura meia hora a menos.  A inspiração veio da própria experiência como morador da favela, das histórias que acompanhou de amigos próximos e das intervenções do dia-a-dia no transporte público. "Se eu perco o foco, paro de escrever e presto atenção naquela história. O Felipe também dorme de madrugada nos ônibus e ouve aquelas conversas." Na vida real, ao fundo da ligação, a reportagem escuta o grito de um vendedor ambulante. "Esse aqui vende cocada. E trabalha em abrigo de ex-usuários de drogas. Eu o conheço, inclusive", conta. Felipe era um admirador da arte da guerra ? um amigo de seu Divulgação pai lhe disse que as estratégias poderiam ser usadas em muitas situações na vida, inclusive na hora de conquistar uma mulher. Pronto, foi o suficiente para ele comprar vários livros sobre o assunto. Com isso, começou a guerrear nos campos de batalha da vida sentimental. Logo ficou com fama de namorador. Além da boa aparência, tinha uma habilidade incrível com a bola. Ganhava todas as competições de que participava pela seleção da escola e com os Embaixadores do Rei. Aprendeu a falar pouco e só abria a boca quando alguém pedia sua opinião. Seu Hélio dizia: ?Boca fechada não entra mosquito.? Se alguém falasse mal de outra pessoa, ficava quieto, não concordava nem discordava com a ofensa. Apenas ouvia o desabafo. Sabia que se concordasse com a ofensa, no futuro a pessoa poderia usar a opinião dele como referência para continuar falando mal da outra. E se fosse contra o fofoqueiro, estaria defendendo a outra e também acabaria sobrando para ele. Com esses conflitos penetrantes foi criado. Seu Hélio sempre ensinou as malandragens da vida ao filho, sem saber que isso seria usado de forma diferente da que almejava. A vida como ficção Sem malabarismos e com uma linguagem direta, Jessé, no entanto, subverte o senso comum em "Fiel". Felipe é bom moço, educado e estudioso, mas, mesmo assim, passa a fazer parte de uma facção na favela. "A gente quer ter importância no nosso meio, quer ser o melhor. O Felipe enxergou ali essa possibilidade. Ele passou a vida sendo cobrado, proibido de ouvir outras músicas que não fossem da igreja e vendo o pai dele achar justificativas para suas ações na Bíblia. Na igreja, os jovens acreditam que tudo o que acontece na vida é uma ação de Deus. Ele começou a achar que era Deus que estava o colocando naquele caminho", observa. A ascensão e queda do personagem no crime é um exercício de imaginação dos muitos caminhos que sua própria vida poderia ter tomado e de tantos outros Felipes que vivem na periferia. Jessé não é bom no futebol e não usa gel para manter o moicano no estilo Neymar como seu personagem, mas ele também se divertia escondido da família e frequentava a igreja evangélica. "O Felipe deixa de ser o Jessé Andarilho quando ele começa a se envolver com o tráfico. Ele tomou vida própria. Qualquer pessoa, independentemente da realidade financeira ou afetiva, poderia seguir o caminho do crime".  "Fiel" ganhou a aprovação de respeito de MV Bill. Rapper e autor de "Cabeça de Porco" e "Falcão – Meninos do Tráfico", ele escreve na contracapa de "Fiel": "A escrita é interna, vinda de um cara que viveu ali, bem de perto. E só não afundou na criminalidade porque foi resgatado pela arte". Para o leitor que não lê Jessé é o primeiro autor das oficinas da Festa Literária das Periferias (Flupp) a chegar a uma grande casa editorial. O livro sai em parceria com a Favela Holding, empresa do produtor e ativista Celso Athayde. Foi Athayde que recebeu Jessé nas primeiras visitas do escritor à Flupp. "Eu queria ser lido, então escolhi cada palavra pensando no leitor que não costuma ler. Nossa atenção hoje é disputada pelo celular, o Facebook e infinitas redes sociais. Para isso, eu tive conhecer mais de literatura". Feliz com a experiência, Jessé segue nos trens diários, sempre com os dedos no celular. "Eu escrevo até hoje. Trabalho para c******, tenho dois filhos, tenho uma vida muito corrida. Então o tempo vago é agora [no trem]. Estou escrevendo alguns textos, que podem virar o próximo livro, aqui."

  • Comprar:
http://www.objetiva.com.br/site2011/livro_ficha.php?id=1430

  • Jessé Andarilho - Fiel - Resumo - (Capítulo I)
— Acorda, seu Zé Preguiça, hoje é domingo. Dia do Senhor. A sua mãe tá passando a roupa que você separou ontem, e o seu café já está pronto, só esperando a sua boa vontade. Felipe tentou voltar a dormir, mas os gritos de seu pai foram mais fortes do que aquele sono gostoso das manhãs dominicais. — Vamos, Felipe, como diz a Bíblia: “Alegrei--me quando me disseram: vamos à casa do Senhor.” Salmo 122, versículo 1. Nem tão alegre assim, Felipe se levantou e foi para o banho enquanto sua mãe acabava de passar a roupa que ele usaria para ir à Escola Bíblica Dominical (EBD). Como de costume, seus pais foram discutindo até a porta da igreja. Aí, instantaneamente as discussões pararam e as mãos se uniram, mostrando uma imagem de casal feliz. Porém, a cena acabou logo que voltaram para casa. Seu Hélio tinha um gosto imenso em estudar a Bíblia. Dizia que era para se alimentar da palavra. Ele sempre arrumava um jeito de usar a Bíblia para favorecê-lo: — Mulher, já pode servir o almoço. Estou cheio de fome. Faça como diz a palavra do Senhor: “O teu desejo será para o teu marido, e ele te governará!” Gênesis 3, versículo 16. Dona Vânia não dizia nada, mas era notável sua irritação com o modo como o marido interpretava as palavras do Senhor a seu próprio prazer, e isso acontecia quase todos os domingos. A não ser quando o almoço era servido na igreja. Dona Vânia ajudava o grupo das senhoras no preparo das refeições que eram vendidas na intenção de arrecadar fundos para as reformas do templo, enquanto seu Hélio conversava sobre os assuntos da obra com o pastor e os obreiros. Felipe sempre arrumava uma bola para jogar no estacionamento com os amigos do Embaixadores do Rei (ER). O Embaixadores do Rei era um grupo de adolescentes entre 9 e 16 anos da igreja batista, que tinha uma disciplina parecida com a dos Escoteiros Mirins. A diferença era que nas reuniões do Embaixadores do Rei os ensinamentos tinham a Bíblia como fundamento. Lá eles aprendiam sobre os principais personagens do Livro Sagrado, como Abraão, o pai da fé; Davi, o pequeno que derrubou o gigante Golias; e seu filho, o sábio rei Salomão, que sempre tinha uma solução para os problemas que apareciam em sua jurisdição. Todos os meses aconteciam viagens, acampamentos, torneios esportivos e debates bíblicos. Felipe era fera nessas atividades, sem falar nos torneios de futebol, nos quais só dava ele. Eram os Embaixadores do Rei que mais animavam sua fé. Com eles, Felipe podia mostrar seu potencial. Até porque em casa havia muita cobrança pelos resultados na escola. Seu pai tinha o sonho de vê-lo se tornar um médico reconhecido pela sociedade. Mal sabia ele que Felipe morria de medo quando via sangue, e tinha outros planos para sua vida. Momentos inesquecíveis aqueles vividos na praia do Sahy, em que os Embaixadores do Rei acamparam, tiveram aulas de sobrevivência na mata e de defesa pessoal. O instrutor dos ER também era professor de kung fu e, nas horas vagas, dava lições de artes marciais para eles. Felipe ficava todo empolgado, já que seu pai nunca o deixara aprender a lutar em outro lugar. Sempre que assistia aos filmes de luta na televisão, ficava treinando em casa, escondido no quarto. Nunca foi de arrumar confusão, mas sempre era tentado quando jogava futebol e os zagueiros queriam lhe dar rasteiras. Nem sempre conseguia se esquivar das jogadas maldosas. Mas aprendeu muito cedo a administrar as situações da vida. Conseguia separar as brigas dos pais simplesmente fazendo perguntas para um deles. Na hora em que iam falar algo que ofenderia a integridade do casal, Felipe entrava no meio e de alguma forma dizia coisas criativas que terminavam com a discussão. Quando o pai acusava a mãe de preguiçosa e ela já ia responder com alguma palavra ofensiva, ele entrava no caminho e perguntava à mãe o que havia colocado de diferente na comida. A partir daí, elogiava o tempero e ainda pedia confirmação ao pai. Na mesma hora, a discussão era interrompida. Essa mesma habilidade era usada para conquistar as garotas na igreja e no colégio. Felipe era um admirador da arte da guerra — um amigo de seu pai lhe disse que as estratégias poderiam ser usadas em muitas situações na vida, inclusive na hora de conquistar uma mulher. Pronto, foi o suficiente para ele comprar vários livros sobre o assunto. Com isso, começou a guerrear nos campos de batalha da vida sentimental. Logo ficou com fama de namorador. Além da boa aparência, tinha uma habilidade incrível com a bola. Ganhava todas as competições de que participava pela seleção da escola e com os Embaixadores do Rei. Aprendeu a falar pouco e só abria a boca quando alguém pedia sua opinião. Seu Hélio dizia: “Boca fechada não entra mosquito.” Se alguém falasse mal de outra pessoa, ficava quieto, não concordava nem discordava com a ofensa. Apenas ouvia o desabafo. Sabia que se concordasse com a ofensa, no futuro a pessoa poderia usar a opinião dele como referência para continuar falando mal da outra. E se fosse contra o fofoqueiro, estaria defendendo a outra e também acabaria sobrando para ele. Com esses conflitos penetrantes foi criado. Seu Hélio sempre ensinou as malandragens da vida ao filho, sem saber que isso seria usado de forma diferente da que almejava.

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