- O conluio entre os homens dispostos a comprar e as mulheres prontinhas para vender ainda viceja entre nós.
Tem um bocado de coisas na relação entre homens e mulheres que estão mal paradas.
Na segunda metade do século 20 esses papeis foram chacoalhados. O mundo dos meu avós, que nasceram no Entre Guerras, não era muito diferente do mundo de seus antepassados, mesmo os mais longínquos, em qualquer lugar do planeta. Evoluíam as roupas, a indústria, o entretenimento, a ciência ao redor. Mas os papeis, até ali, se mantinham mais ou menos os mesmos desde quando os núcleos familiares deixaram de ser regidos pelo matriarcado tribal para serem regulados pelo patriarcalismo – um sistema que permitia uma passagem mais conveniente da riqueza acumulada pelos homens – herança – de geração a geração. (Aprendi isso com Engels!)
O homem trabalhava fora, provia, era o chefe da família, tinha reconhecimento social pelo seu trabalho. A mulher trabalhava em casa, e obtinha reconhecimento social pelo modo como cuidava do marido e da família, da comida, das roupas e do lar. O homem era um guerreiro nômade – espelhando seus espermatozoides, loucos para pular a cerca. A mulher era uma rainha sedentária – e era obrigada ao recato que se exigia de sua própria libido.
Aí vieram os anos 60, a pílula, a revolução nos costumes, as reivindicações feministas, a queimação de sutiãs, a ralação de esfíncteres os mais variados, e o mundo jamais seria o mesmo. A geração dos meus pais foi a da precursora disso. Com os anos 70 vieram alguns exageros. Nos anos 80, houve um certo retrocesso, especialmente com o advento de flagelos como a Aids, o mullet e o glitter rock. A geração Y reequilibrou as coisas e voltou a curtir a vida com mais leveza nos anos 90. E de 2000 para cá, já que trocamos de século e de milênio, parece que estamos vivendo a pós modernidade das relações entre os gêneros.
No entanto, restam muitas dúvidas. Se as mulheres já são maioria no mercado de trabalho, faz sentido o homem ainda pagar a conta do restaurante sozinho? Dividir o repasto tudo bem mas o motel jamais? Por quê? Só o homem se diverte lá dentro? (E mesmo que isso fosse verdade, financiar sozinho a sessão de sexo não aludiria de certa forma a uma compra unilateral daquele momento de prazer, e, portanto, à prostituição do outro?) Ainda faz sentido se falar em chefe de família, se referindo sempre ao homem, quando as mulheres participam ativamente do orçamento familiar e muitas vezes sustentam a casa? Nessa perspectiva, abrir a porta para a companheira seria ainda um sinal de cavalheirismo ou isso já está prestes a se tornar um gesto de subserviência a quem paga as contas? Enfim, as coisas andam confusas.
Eis o que me parece ser um fio condutor que perpassa isso tudo, desde há muito tempo: mulher não gosta de homem sem dinheiro. Ponto. Isso está nas reclamações musicais que Leo Jaime e Lulu Santos compuseram, do cara duro que não pega ninguém simplesmente por ser duro. Isso está nos filmes de high school do John Hughes, nos épicos bíblicos, nas condutas das princesas dos contos de fada, nas madames de alta classe, nas ligações perigosas que se estabeleciam nas cortes imperiais, nos votos que as mães de classe média fazem ainda hoje para suas filhas, nas escolhas afetivas que as meninas estão fazendo nesse exato momento.
Mulher não gosta de homem sem dinheiro porque ele não pode sustentá-la. Mas também, muito mais, porque ela não concebe a ideia de sustentá-lo. Homem sem dinheiro não tem utilidade. Homem pobre, sem poder aquisitivo, não é homem. Eis a vida como ela é. Função de homem ainda é prover. Então homem tem que ter grana. É assim que ele se prova e chama a atenção. Homem não precisa ser bonito – tem que ganhar bem, ter um carro legal. A potência financeira de um homem é muito mais importante, ao olhar feminino, do que a sua potência sexual. Isso é o que se espera do gênero masculino. Isso é o que faz de um cara um bom ou um péssimo partido: o tanto de dinheiro que ele tem capacidade de arrebanhar para o próprio bolso e para as algibeiras da família.
Em contrapartida, a função das mulheres ainda é ser atraente. Mulher tem que oferecer, antes que tudo, uma boa matriz para reprodução dos genes da família – e para a linhagem do procriador. Isso é o que se espera do gênero feminino – a capacidade de virar mãe e de dar um prole saudável e bonita ao seu marido. Ela pode ser inteligente, justa, brilhante, legal, articulada, instruída, viajada e lida – tudo isso é secundário. E não pode, inclusive, atrapalhar seu valor central, que ainda está em ser sexy, bem apessoada, doce e dócil. Isso é o que fará dela uma fêmea desejada ao invés de uma “tia encalhada” – para nominar um dos piores pesadelos femininos: não ser escolhida por homem algum ou ser rejeitada pelo conjunto dos homens.
Fico imaginando o quanto tudo isso pode ser ofensivo para aquelas mulheres que batalham desde cedo, e que decidiram não abrir mão da sua independência, quando olham para o lado e veem outras mulheres, às vezes dentro de suas próprias famílias, lhes olhando de volta e sugerindo, talvez sem enunciar palavra, que troquem esse plano de autonomia por um marido rico, que suas vidas seriam mais fáceis ao invés de investir numa carreira investissem num bom casamento.
Talvez tudo isso aconteça por uma conduta amorosa ainda determinada por critérios atávicos na escolha dos melhores genes no sexo oposto para procriação. Talvez aí esteja a explicação para esse obsoletismo inacreditável com o qual ainda convivemos à larga. A alternativa a essa teoria seria acreditar que tudo é apenas um acordo de conveniências selado num bordel entre homens dispostos a comprar e mulheres prontas para vender. Ser “bem casada”, nessa acepção, é simplesmente conseguir ser vendida para o homem certo – escravas núbias, 2 000 anos antes de Cristo, deviam torcer pela mesma coisa quando eram ofertadas em praça pública (muitas vezes pelos próprios pais, diga-se). O que transformaria a sagrada instituição do matrimônio, na imensa maioria dos casos, e desde sempre, numa grande troca de favores com cheiro de cabaré. E quanto mais tradicional a união, mais intenso o odor…
De um jeito ou de outro, é seguro reconhecer que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos muito parecidamente como nossos tetravós da Idade Média. Infelizmente.
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